Sagrada Família: Três vidas distintas, um só coração

01/03/2010 14:37

 
“Vieram apressados os pastores e encontraram Maria com José e o Menino deitado no presépio.” ( Lc 2,16)

   A Festa da Sagrada Família insere-se, teologicamente, na linha da missa da Noite de Natal: a contemplação da condição humana de Jesus. Esta contemplação aproveita para encaminhar algumas atitudes concretas para a vida de todos os cristãos de boa vontade, especialmente no relacionamento para com a família, célula mater da sociedade. A vida da família de Jesus, especialmente a vida de Jesus, é um modelo para todas as famílias cristãs e para todas as comunidades. Esse paradigma não é somente numa linha moralista, mas na comunhão de vida, comunhão de amor, onde as vidas se fundem em um só coração e em uma só alma, apesar de diferentes decendências e outras inúmeras distinções. O amor: cerne do mistério da encarnação no projeto de salvação do Pai. Nessa perspectiva do amor de Deus, que se deve refletir em nossa vida, é importante no dia de hoje meditarmos sobre a Família de Nazaré. Desta forma, imbuídos em seu espírito, voltarmos à nossa própria situação pessoal.


   A primeira e a segunda leitura da Missa da Sagrada Família, elencam um código moral para vivermos em família. Estas perícopes não ensinam apenas um bom comportamento, mas, acima de tudo, a participação do mistério da humanidade de Deus: o amor entre os pais e os filhos é extensão e seguimento do amor que Deus tem por nós. Somente depois de ter colocado esta fundamentação, Paulo lembra aos seus paroquianos os bons costumes da civilização judaica na qual vivem.A lição para nós, hoje, é a seguinte: tomando consciência de que a vida familiar é inserir-se no plano salvífico de Deus, valorizemos positivamente as chances que a estrutura familiar nos dá, para realizar algo de amor que Deus nos mostrou, nos ensinou e nos encaminhou. Tudo o que fizermos, façamos em nome do Senhor Jesus.


Irmãos e Irmãs,
  

   Hoje não é possível mais viver a família patriarcal. Na maioria das famílias já é reconhecida a paridade, isto é, os direitos iguais, responsabilidades semelhantes para o homem e para a mulher, dentro daquilo que o Código de Direito Canônico ilumina toda a vida matrimonial: “O matrimônio é uma união indissolúvel e unitária, como comunhão de vida e de amor, para toda a vida”Dentro desta comunhão de amor e de vida, de doação, dando-se e recebendo-se mutuamente, todos nós somos convidados a construir a família na co-responsabilidade do amor, edificando a Igreja Doméstica, como prefiguração da “civilização do amor”nas palavras do Papa Paulo VI, de santa memória. Ao celebrar a Sagrada Família, a Liturgia realça o ambiente humano, concreto, em que se criou o Filho de Deus. Uma família externamente igual a todas as famílias de Nazaré. Uma mãe, que tecia as roupas do marido e do filho. Um homem, José, pai legal de Jesus, que tinha um ofício, trabalhava na carpintaria. Uma família normalíssima também na pobreza, que levava uma vida diária no trabalho, na oração, na alegria e no sofrimento.

E a Sagrada Família ilumina a nossa reflexão acerca do papel de seus atores: José, chamado de “homem justo” (Mt 1,19); Maria, “agraciada por Deus” (Lc 1,28) e Jesus, o menino, por ser o primogênito, fora consagrado ao Senhor, como mandava a Lei de Moisés (Ex 13,2.12.15). Jesus teve que aprender a ler e a escrever como todas as crianças da escola, decorar as orações costumeiras das famílias judaicas e assimilar a Lei de Moisés, com as diferenças estabelecidas pelos Doutores do Templo. Sobre esta família pousava o Espírito Santo de Deus. Com esta família “estava a graça de Deus” (Mt 13,44), porque José fazia as vezes de Deus Pai, Maria se tornara a Mãe de Deus e o menino era o “Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os Séculos” (ensinamento do Símbolo da Fé). 


A Festa da Sagrada Família é o momento privilegiado que a Liturgia nos oferece para celebrarmos esta realidade tão importante e atual em nossas vidas: somos família.

   O Pai Eterno quis ser hóspede em nossa vida: 
somos Igreja Família. Deus, na sua misericórdia infinita, se fez tão próximo, tão íntimo, que se nos tornou familiar, tornou-se um de nós, membro da nossa família, gente muito próxima, ou seja, de casa.Somos família também porque a fé em Cristo nos faz irmãos e irmãs uns dos outros. Jesus veio fazer parte da grande família humana, revelando a dignidade de todos e de cada ser humano. Veio também congregar numa só família, que é a Santa Igreja Católica, aqueles e aquelas que, acolhendo ao projeto do Pai, se põem a viver e a construir novas relações entre si, relações de amor, de serviço e de vida.

Meus irmãos,
Diante de tudo isso, cabe uma pergunta: aonde vai a família? Como vai a família?


   Aqui, vale a mensagem de dona Carmem Damasceno Assis, falecida em abril de 2008, depois de uma vida virtuosíssima, ao se dirigir a um outro santo, Dom Luciano Mendes de Almeida: “Senhor Arcebispo, reze muito pela família. Parece que ela está desaparecendo. Sem família não há Deus”.

A preocupação da saudosa confessora da fé, dona Carmem, progenitora do venerando arcebispo de Aparecida, Dom Raymundo Damasceno Assis, deve ser a preocupação de todos os homens e mulheres de boa vontade: olhar para a realidade de sua família e procurar ajudá-la a se configurar cada vez mais nos exemplos da Família de Nazaré. Não há tesouro maior do que o amor de pai, o amor de mãe, o amor de filho para com os pais e vice-versa. Como a encarnação do Cristo eleva a natureza humana a ser capaz de conter Deus – assim também sua habitação num lar humano faz deste lar uma casa de Deus, aliás, a vocação de todos os lares: serem lugares de tanta bondade, que até Deus aí se sinta em casa. Esta é a missão nossa, fazer, de nossas famílias, casa e morada de Deus. Desta forma, construiremos aqui e agora a grande família de paz e solidariedade em Cristo Senhor.


A Família de Nazaré é para nós um vivo exemplo de modelo de fé.


Maria foi uma mãe que acreditou no Senhor em todas as circunstâncias, inclusive nos momentos da paixão e morte de Jesus, até a desolação de quando o sepultaram, aquele a quem estava prometido “o trono de Davi e um reinado sem fim” (Lc 1,32-33). Pode-se dizer que aquilo que São José fez o uniu, de maneira magnífica e especial, à fé de Maria: ele soube aceitar como verdade proveniente de Deus o que Maria tinha aceitado na anunciação do arcanjo Gabriel. Maria e José fizeram o seu itinerário de caminhada de fé. Foram verdadeiros “peregrinos da fé”. Fé nas promessas escutadas. Fé vivida no cotidiano na guarda, na educação e no acompanhamento do crescimento do Menino. Foram os primeiros depositários do mistério divino. A Liturgia de hoje, também, apresenta uma outra família, a de Abraão, Sara e Isaac. Abraão é chamado de nosso “pai na fé”. Ele funda toda a vida unicamente sobre Deus e não vacila, nem mesmo no momento em que Deus lhe pede o sacrifício de seu único filho (Gn 22,1-19). É bom notar a esperança de Abraão a quem Deus prometera multiplicar a descendência como as estrelas do céu (Gn 15,5). Podemos proclamar que Abraão acreditou no Senhor. São Paulo nos ensina que Abraão encarna a fé que é o fundamento do que se espera e a convicção das realidades que não vêem (Hb 11,1).
   Por isso, a Igreja coloca a Sagrada Família e a família de Abraão, Sara e Isaac como modelos a serem seguidos. Modelos de quem aderiu, com fé autêntica e verdadeira, à vontade de Deus. A fé verdadeira que se abre para Deus, ouve a sua Palavra e a coloca em prática (Lc 8,21), mesmo que seja necessário esperar contra toda a esperança humana (Rm 4,18). A fé que devemos professar ao mundo é integrante da nossa família, da nossa condição humana e é isso que hoje celebramos. 
 
Celebrar a vida na família, como experiência de uma caminhada de fé autêntica e atuante, evangelizadora. Que Jesus, Maria e José nos ajude neste bom propósito.